segunda-feira, 25 de abril de 2016

Almada na revolução de abril



O Dr. Alexandre Flores, grande conhecedor da História da Cidade de Almada, publicou os seguintes textos na sua página de Facebook. A importância histórica dos factos tornam imprescindível a sua leitura. 


ALMADA NA HISTÓRIA - Figuras e factos
ALMADA NAS VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL:

I. A Costa de Caparica e o "Movimento dos Capitães", em 5.XII.1973

No concelho de Almada, terra orgulhosa das suas tradições progressistas, vai ocorrer na então freguesia da Costa de Caparica, (ver imagem da época), uma das reuniões conspirativas, levadas a cabo por alguns militares contra o regime do «Estado Novo».
Alguns sectores das forças armadas tinham iniciado, desde o verão de 1973, -- (não obstante algumas contestações já sentidas no seio de jovens oficiais de carreira, como a do então Alferes Andrade da Silva, em 1972), -- uma conspiração militar como forma de protesto contra a publicação de dois decretos que tentavam suprir a falta de oficiais milicianos, beneficiando-os. Considerando-se prejudicados , os oficiais de carreira, sobretudo capitães, organizam-se em defesa dos seus direitos, através de uma reunião que visava levar o Governo a revogar aqueles diplomas. Esta reunião evolui de um protesto cooperativo para um "movimento" que procurava uma saída para o problema colonial, através de vários contactos e reuniões, como as de Évora (em 9 de Setembro e 6 de Outubro de 1973), a de S. Pedro do Estoril (24 de Novembro), a de Óbidos (1 de Dezembro) e a da Costa de Caparica (5 de Dezembro). A guerra e a questão colonial juntam-se a outros factores, transformando-se depois numa questão política, pondo-se a hipótese de derrubar o Governo do Professor Marcello Caetano por um golpe de Estado.
O "Movimento dos Capitães" estrutura-se, em 5 de Dezembro de 1973, numa reunião realizada na Costa de Caparica, numa vivenda pertencente a um familiar do Capitão Pinto Soares, e é eleita a primeira «Comissão Coordenadora», cuja direcção é entregue a Vítor Alves, Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho. «Ficam ligados à direcção, Hugo dos Santos e Pinto Soares, Vasco Gonçalves, Eurico Corvacho, Tomás Ferreira e Ataíde Banazol também assistem à reunião. Segundo o Coronel Vítor Alves (então Major), a importância da reunião na Costa de Caparica «só pode ser avaliada quando vista integrada no conjunto de todas as outras. Ela representou o verdadeiro início da organização do Movimento. Mas não foi mais que um degrau da escada, que subida em menos de um ano, nos conduziria primeiro à liberdade e depois à democracia».


(Alexandre M. Flores)


Anotações históricas publicadas no livro: «Poder Local Democrático, um Património do Povo: os primeiros anos da democracia: da Comissão Administrativa às primeiras eleições autárquicas (em Almada)», sob a coordenação geral de Alexandre Flores e Ângela Luzia, e outros colaboradores. Edição da C.M.A., 2013, pág. 11.

-- Imagem: vista parcial da Costa de Caparica. Reprodução do postal editado pela Comissão Municipal de Turismo de Almada, início da década de 1973 (coleção de Alexandre Flores).









II. Almada e o "Movimento dos Capitães" (de Janeiro até à noite do dia 24 e na madrugada de 25 de Abril de 1974):
Os capitães prosseguem o processo e, em conjunto com oficiais ligados ao General António Spínola, preparam o golpe militar. A partir de Janeiro de 1974, o "Movimento" organiza comissões que estruturam a acção e um programa com os seus objectivos. A exoneração dos generais António de Spínola e Costa Gomes pelo Professor Marcelo Caetano veio dar força àqueles que, dentro do "Movimento", acreditam num golpe militar que, restaurando as liberdades cívicas, permitisse a tão desejada solução para o problema colonial. Promovem-se outras reuniões, já com a presença de oficiais da Marinha e da Força Aérea, sendo a última realizada numa residência em Cascais. Depois de um levantamento militar fracassado, em Março, conhecido por «golpe das Caldas», o "Movimento" prepara a operação militar que vai por fim ao «Estado Novo».
Nesta fase conspirativa, e clandestinamente, o movimento popular e democrático de Almada liga-se, através do médico José Malheiro e do operário João Raimundo, a sectores militares que preparavam a Revolução a qual não foi, portanto, um acontecimento que tivesse surpreendido alguns democratas do concelho de Almada, na madrugada de 25 de Abril.
Na noite do dia 24 e na madrugada de 25 de Abril de 1974 decorre a operação «Fim de Regime», de acordo com o plano previamente definido depois das canções - senhas transmitidas («E Depois do Adeus», de Paulo de Carvalho, cerca das 23 horas, e a «Grândola Vila Morena», de José Afonso, hora e meia mais tarde), as unidades militares saem dos quartéis para cumprirem, com êxito, as missões que lhes estavam destinadas: ocupação das estações de Rádio e da RTP, controlo do aeroporto e dos quartéis - generais das regiões militares de Lisboa e do Norte, cerco dos ministérios do Terreiro do Paço, entre outras acções planeadas.
Destas unidades desloca-se, em direcção ao concelho de Almada, uma coluna militar da Escola Prática de Artilharia, de Vendas Novas, composta por duas forças comandadas pelos capitães Oliveira Patrício (à frente de uma bateria com seis secções de bocas de fogo) e Mira Monteiro (com uma companhia de artilharia de quatro pelotões com funções de infantaria), que ocupam, pelas sete horas da manhã de 25 de Abril, as imediações do santuário do Cristo Rei. A bateria, atrás referida, tem como principal objectivo bater em tiro directo qualquer coluna militar afecta ao Governo que tentasse atravessar a ponte sobre o Tejo, ou qualquer navio hostil que manobrasse no estuário do Tejo, e em tiro indirecto para outros objectivos pré-preparados. Uma outra coluna militar de viaturas do Regimento de Cavalaria n.º 3, de Estremoz, comandada pelo Capitão Alberto Ferreira, surge, com algum atraso em relação à hora prevista, na Cova da Piedade, que, depois de ir ao encontro dos militares instalados no Cristo Rei, vai juntar-se às tropas comandadas pelo Capitão Salgueiro Maia, em Lisboa. O Destacamento de Fuzileiros e o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada da Base Naval de Lisboa, do Alfeite, juntam-se às forças armadas. 

(Alexandre M. Flores)

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-- anotações citadas no livro: «Poder Local Democrático, um Património do Povo: os primeiros anos da democracia da Comissão Administrativa...em Almada», sob a direcção geral de Alexandre Flores e Ângela Luzia, e outros colaboradores, CMA, 2013, pág.11.Ver também outros trabalhos, como: Alexandre M. Flores - «Almada Antiga e Moderna», vol. III, Almada, CMA, 1990, páginas 193 e 194; Idem, «Almada: das origens à elevação a cidade»,, Almada, 1994, pág. 36; «Antes do 25 de Abril: Spínola mantinha ligações secretas com o PCP», "Outra Banda", A. IV, n.º 83, 21 de Abril de 1994, páginas 1 e 3; Rodrigo Junqueira - «Almada na Revolução de 25 de Abril», in "Outra Banda", A. IV, n.º 83, sup. especial, 21 de Abril de 1994, p. VII; «Memória Viva de há vinte anos», "Margem Esquerda", Almada, n.º 0, Abril de 1994; Alexandre Flores e António Policarpo - «Arsenal do Alfeite; contribuição para a História da Indústria Naval em Portugal», Laranjeiro, Junta de Freguesia do Laranjeiro, 1998, páginas 171, 174 e 180.-- Imagem: coluna de militares no Cristo Rei, Pragal. Reprodução da foto cedida por Oliveira Pinto, para ser publicada no livro, atrás referido: «Poder Local Democrático...», pág.14.



III. Almada e o "Movimento dos Capitães" (no dia 25 de Abril):

Uma força da companhia de artilharia do Capitão Mira Monteiro recebe, no Pragal, pelas 15.15 h., do dia 25 de Abril de 1974, a missão de se deslocar à Casa de Reclusão Militar (Trafaria), -- com a presença do Tenente Andrade da Silva, (este militar que, sob o seu comando assaltara, pelas 22h e 55` da noite do dia anterior e com a senha para iniciar a revolta, ou seja, com a canção de Paulo de Carvalho -- «E Depois do Adeus», o gabinete do comandante da EPA, de Vendas Novas, acabando por serem detidos o comandante e o 2.º comandante, por razões de segurança, antes da saída das duas colunas, pelas 3 h da madrugada de 25 de Abril, com 400 homens, em direcção ao Pragal, concelho de Almada), -- a fim de libertar os oficiais: o Tenente-coronel Almeida Bruno, os majores Monge e Casanova e o Capitão Varela, entre outros, ali detidos, acusados na implicação de16 de Março, conhecido por «Golpe das Caldas». Esta força fez-se reforçar de uma secção de artilharia guarnecendo um obus 8,8 cm em que, depois de cercado o forte, entrou em posição de frente ao portão principal. Ordenada a rendição, o portão foi aberto. Segundo o Relatório da EPA (Escola Prática de Artilharia), durante a acção foram detidos na área vinte e quatro elementos da GNR, e levados para o Cristo Rei. Os oficiais libertados, escoltados por forças da companhia de artilharia, seguem para Lisboa. Pelas 16 horas da tarde, do dia de 25 de Abril, foi dada uma outra missão à companhia de artilharia para cercar e ocupar o Regimento de Lanceiros 2 (Polícia Militar, Ajuda, em Lisboa). Ao fim da tarde, o Comdte. Costa Correia (com o Primeiro-tenente Vargas de Matos, que se deslocara ao Cristo Rei), vai comandar uma força dos fuzileiros para a rendição dos agentes da PIDE/DGS na sede da Rua António Maria Cardoso. Muitos populares ovacionam a Marinha, fazendo com os dedos o símbolo V de vitória.
Neste dia 25 de Abril, vários cidadãos de Almada ligados à resistência à Ditadura do «Estado Novo» dirigem-se para o Café Calhambeque, em Almada, e para a Cervejaria Guadiana, na Cova da Piedade, dois locais de convívio e discussão política, onde saíram alguns comunicados clandestinos de oposição democrática ao regime, distribuídos em vários pontos do concelho. Pelas onze horas da manhã, alguns destes resistentes realizam uma reunião nas instalações das Escolas do Clube Desportivo da Cova da Piedade, sitas na Rua das Salgadeiras. Ainda existiam interrogações em relação à natureza da acção militar, se era executada pela esquerda ou pela extrema-direita militar. Depois, aquele grupo reúne-se, pela tarde, na "Escola das Barrocas", aberta a todos os cidadãos. Dada a falta de espaço nesta Escola, o plenário é transferido para a Sociedade Filarmónica União Artística Piedense. Aqui é sugerida a ideia para que os presentes se dirigissem para o morro do Cristo Rei, onde se dão as primeiras manifestações populares de solidariedade no apoio aos militares, levando mantimentos. Raúl Costa e António da Silva Coelho encarregam-se do fornecimento de pão fresco.
A propósito desta solidariedade dos almadenses, importa citar as palavras do Coronel (então Tenente) Andrade da Silva: «Espero que Almada, ela própria, o povo de Almada sintam a maior honra e orgulho por terem acolhido uma das maiores forças militares de Abril e celebre a união espontânea e muito forte entre o seu povo e os militares que aconteceu naquele ponto cimeiro do Pragal e, aqui, comemore esta data, este feito com a dignidade e honra que este maior acontecimento da história de Portugal, do seu Povo e das gentes do Pragal/Almada merece, reclama e exige como comportamento certo, ético, civilizacional e de amor à Pátria».

(Alexandre Flores)

anotações históricas citadas nos trabalhos: «Poder Local Democrático...», coordenação geral de Alexandre M. Flores e Ângela Luzia, Almada, CMA, 2013, pág. 13; «Missão 25 de Abril 74: (re)alvorecer da dignidade de ser português. O dia inteiro não cumprido», da autoria de Andrade da Silva, in "Anais de Almada", n.º 17, 2014, CMA, pág.354; «Breve história do 25 de Abril em Almada»(texto polic.), da autoria de José António Lopes (Zal), AACA, 2004,páginas 2 e 3.

-- imagem: coluna de militares da EPA em Almada, no dia 25 de Abril de 1974. Reprodução das fotos cedidas por Oliveira Patrício para serem publicadas no referido livro «Poder Local Democrático...», pág. 16.


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